quarta-feira, 23 de março de 2011

Fisioterapia pós-fratura de quadril em Idosos


Fonte aqui
No Editorial do último número da Biblioteca Cochrane (Issue 3, 2011)1 foi dado um grande destaque para as evidências disponíveis nas revisões sistemáticas que demonstram a importância do tratamento fisioterapêutico pós-fratura de fêmur em idosos. Para muitos, aparentemente não haverá nenhuma novidade, pois fisioterapia no pós-cirúrgico imediato de fratura de quadril é prática padrão em vários serviços hospitalares e ambulatoriais. Mas nem sempre esse papel é bem definido em protocolos e diretrizes, até por que muito detalhe ainda precisa ser esclarecido.

Segundo o editorial, a fratura de fêmur é uma condição comum e com risco de morte em 17% das mulheres, ocorre predominantemente em idosos, principalmente em condições de fragilidade, incluindo subnutrição, prejuízo cognitivo e disfunções sensório-motoras1.

Conforme uma das revisões comentadas pelo editorial, a fixação cirúrgica é indicação primária de fraturas com deslocamento, pois reduz o tempo de reabilitação e o risco de deformidades2. Mesmo assim, o resultado em longo prazo é freqüentemente seguido de acentuado declínio da função física, risco de perda da independência funcional, particularmente para aqueles com comprometimento prévio da função motora. Neste contexto, a fisioterapia tem muito a oferecer para uma recuperação máxima e melhoria da qualidade de vida.

Reabilitação multidisciplinar3, intervenções orientadas a função física e psicossociais (terapia ocupacional)4, suplementação nutricional5 e estratégias de mobilização precoce no pós-operatório6 são destacados como os principais evidências disponíveis na Biblioteca Cochrane sobre o assunto, mas os autores recomendam fortemente que todas elas devam ser interpretadas de acordo com um contexto e conclusões de outros estudos importantes.

Programas de reabilitação multidisciplinar, com base em uma filosofia de avaliação geriátrica, devem ser direcionados especialmente para idosos frágeis, com múltiplas comorbidades e comprometimento motor. Fala-se aí, da maioria dos idosos com fratura de quadril. Á primeira vista, os resultados são decepcionantes. A revisão Cochrane3 sobre o assunto concluiu que não há provas suficientes para se chegar a qualquer conclusão, porém se analisarmos a tendência de eficácia dos resultados demonstrados por ela, e a constatação de que não ocorreram grave prejuízos nem altos custos, nossa percepção pode mudar, principalmente se estas conclusões forem combinadas com os resultados de outra revisão mais ampla7, que concluiu que hospitais multidisciplinares de reabilitação reduzem a mortalidade, melhora a função física e reduz o risco de institucionalização. Lamentavelmente, no Brasil, praticamente inexiste uma rede de hospitais de reabilitação satisfatória com a necessidade da população.

A única menção feita sobre a terapia ocupacional4 recomendou novas pesquisas, assim com a revisão sobre suplementação nutricional após fratura de quadril5. Embora outra revisão sobre o assunto sugira que é pouco provável que os complementos nutricionais sejam benéficos para os idosos bem nutridos, e que não haja evidências suficientes para os que estão abaixo do peso, diretrizes clínicas recomendam suplementação para pessoas subnutridas no hospital, incluindo idosos.

A revisão mais recente, e que trata de mobilização precoce encontrou evidencias de programas mais intensos de exercícios obtiveram resultados mais favoráveis6. Porém, por muitos anos, tem se reconhecido que a fisioterapia é muitas vezes prescrita em doses e modalidades insuficientes para gerar adaptação biológica. Mesmo que os riscos potenciais de um programa fisioterapêutico mais intenso parecem ser mínimos, a tolerabilidade e a segurança mereçam ser definidas adequadamente.

Eles finalizam o editorial comentando que, na prática, é muito difícil sintetizar, interpretar e usar informações complexas das revisões Cochrane, e assim, é muito fácil tirar conclusões inadequadas. Acrescentam que, para embasar adequadamente decisões clínicas, as revisões Cochrane precisam ser colocadas em um contexto mais amplo, o que inclui outras revisões.

Importante salientar que, além das evidências oriundas destes estudos, a experiência dos profissionais de saúde, as condições dos serviços e preferências dos pacientes, são fatores que devem influenciar na tomada de decisões para tratamentos de saúde.

Referências:

1. Stott DJ, Handoll HH. Rehabilitation of older people after hip (proximal femoral) fracture. The Cochrane Library. 2011 16 mar; 2011 (4). Acesse aqui.

2. Handoll HHG, Parker MJ. Conservative versus operative treatment for hip fractures in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2008; (Issue 3).

3. Handoll HHG, Cameron ID, Mak JCS, Finnegan TP. Multidisciplinary rehabilitation for older people with hip fractures. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2009; (Issue 4).

4. Crotty M, Unroe K, Cameron ID, Miller M, Ramirez G, Couzner L. Rehabilitation interventions for improving physical and psychosocial functioning after hip fracture in older people. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2010; (1).

5. Avenell A, Handoll HHG. Nutritional supplementation for hip fracture aftercare in older people. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2010; (1).

6. Handoll HHG, Sherrington C, Mak JCS. Interventions for improving mobility after hip fracture surgery in adults. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2011; (3).

7. Bachmann S, Finger C, Huss A, Egger M, Stuck AE, Clough-Gorr KM. Inpatient rehabilitation specifically designed for geriatric patients: systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. BMJ. 2010; 340 (c1718).

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domingo, 13 de março de 2011

Revisão sobre os tratamentos para articulação temporomandibular


Há tempos quero publicar os achados deste estudo1, divulgado no ano passado no Journal of Oral Rehabilitation (FI= 1.483) que agrupou resultados de várias revisões sistemáticas sobre o tratamento das disfunções da articulação temporomandibular (ATM), incluindo tratamento fisioterapêutico, odontológico, cirúrgico e medicamentoso. Achei muito útil as informações apresentadas, pois desde a última palestra que assisti de um "entendido" no assunto, segundo ele, na época, não haviam evidências adequadas sobre a efetividade de nenhum recurso terapêutico, principalmente a fisioterapia.

Apud List e Axelsson (2010), estudos populacionais reportam que aproximadamente 10-15% dos adultos apresentam dor por disfunção temporomandibular, e 5% percebem necessidade de tratamento. Para sintetizar as evidências recentes sobre o tratamento da disfunção temporomandibular, os autores incluíram 30 revisões sistemáticas (23 qualitativas e 7 metanálises) que mensuraram a eficácia de: 1. Dispositivos oclusais e ajuste oclusal; 2. Fisioterapia (acupuntura, TENS, eletrotermofototerapia, exercícios e mobilização); 3. Tratamento farmacológico; 4. Cirurgia maxilofacial e da articulação temporomandibular; 5. Terapia comportamental e tratamento multimodal.

Eis os resultados:

1. Dispositivos oclusais e ajuste oclusal;

Algumas revisões sitemáticas concluíram que placas noturnas ("stabilisation splint") é propensa a permitir uma melhora a curto prazo quando comparada ao não tratamento, mas é inconclusiva se comparada com um placebo. Em curto prazo, essas placas noturnas foram tão efetivas para reduzir a dor quanto a fisioterapia, terapia comportamental e acupuntura. Há limitações para se saber o seu efeito em longo prazo. Alguns efeitos adversos foram relatados como dor dental e mudanças oclusais.

A efetividade de placas para bruxismo foi estudada em uma revisão, que não encontrou diferença ao comparar com um grupo não tratado, cujo principal justificativa foi o pequeno número da amostra (falta de poder estatístico). Ao se analisar o atrito dental relacionado com o bruxismo, foi evidenciado que a placa oclusal retarda o desgaste oclusal.

Não foi encontrada qualquer evidência de que o ajuste oclusal é mais ou menos efetivo que o placebo. Assim, as recomendações foram de restringir a utilização de ajustes oclusais para tratar a dor da disfunção temporomandibular, por ser um recurso irreversível (??).

2. Fisioterapia e Acupuntura

Acupuntura é melhor que não tratar e ao compará-la a outros tratamentos conservadores, porém mais estudos são necessários para reforçar esta idéia, devido à baixa qualidade dos estudos existentes. Efeitos colaterais e complicações foram raras e menores.

Da mesma forma, exercícios mandibulares ativos (3 revisões) e o treino/reeducação postural (2 revisões) é mais efetivo que não tratar para melhor a dor.

Não foram encontradas evidências suficientes sobre o risco ou benefício de recursos eletroterapêuticos com TENS, laser ou ultra-som, por exemplo.

3. Tratamento farmacológico;

Nenhuma conclusão pôde ser tirada sobre o uso de analgésicos, antidepressivos, diazepam, hialuronato e glicocorticóides. O tratamento farmacológico da disfunção temporomandibular é proposto baseado principalmente na comparação com outros distúrbios como dor nas costas e cefaléia tensional. Os autores alertam que os efeitos adversos, tóxicos e de dependência devem ser ponderados.

4. Cirurgia maxilofacial e da articulação temporomandibular;

Os tratamentos através de artroscopia, artrocentese e com fisioterapia foram comparáveis para reduzir a dor e melhorar a função. O índice de sucesso foi alto e equivalente para os três procedimentos. Porém o critério para seleção dos pacientes entre os procedimentos invasivos e conservadores foi diferenciado. Pacientes com sintomas refratários após seis meses de tratamento conservador foram selecionados para cirurgia, o que enviesou a análise acima, mas mantém uma importância clínica.

5. Terapia comportamental e tratamento multimodal.

Terapia comportamental através de educação, biofeedback, treinamento de relaxamento, manejo do stress e terapia cognitivo comportamental foi efetiva para tratar a dor. Os modos de tratamento foram combinados, o que dificultou a identificação do recurso com maior benefício.

Observou-se também que a maioria dos pacientes sem envolvimento psicológico se beneficiou de tratamentos mais simples, enquanto que pacientes com dor e problemas psicológicos maiores se beneficiaram mais de terapias combinadas.


Enfim, mesmo com as informações acima, na conclusão, os autores concluíram que há evidências do benefício de placas interoclusais, acupuntura, terapia comportamental, fisioterapia (exercícios mandibulares e treino postural) e medicação para aliviar a dor de pacientes com disfunção temporomandibular e que a fisioterapia com recursos eletroterapêuticos, procedimentos cirúrgicos e ajustes oclusais parecem não ter efeito, conforme as evidências atuais.

Comentário: O estudo, além de responder algumas dúvidas recentes sobre os recursos disponíveis para o tratamento desta disfunção extremamente comum na população, demonstra a relevância da fisioterapia, através de suas inúmeras técnicas e recursos terapêuticos, para o alívio sintomático, ou até mesmo controle dos sintomas incapacitantes da disfunção temporomandibular. Outro ponto forte do artigo é a ênfase que dá ao novo desenho de pesquisa, chamado "overview of reviews", que permite facilitar a aproximação ainda maior do clínico com as evidências disponíveis não apenas de uma revisão sistemática, mas de todas as existentes e possíveis de serem localizadas. Isso facilita e flexibiliza a interpretação clínica dos achados das pesquisas, aproxima o profissional da prática baseada em evidências, permite que os resultados sejam combinados com sua experiência do profissional na hora da tomada da decisão, sempre combinado com as expectativas do paciente, é claro.

Referência:

1. List T, Axelsson S. Management of TMD: evidence from systematic reviews and meta-analyses. Journal of Oral Rehabilitation. 2010; 37: 430-51. Acesse o reumo aqui.
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terça-feira, 8 de março de 2011

Principais publicações de estudos clínicos em Fisioterapia


É pessoal, não é fácil tentar deixar o blog atualizado como ele merece. Nem sempre há tempo para isso, mas demanda há em demasia!

Pois desde novembro de 2010 que tento publicar esta postagem, que relata os achados do artigo de um colega brasileiro, Dr. Leonardo Oliveira Pena Costa, publicado na Physical Therapy1, que identificou os principais periódicos que publicam estudos clínicos de fisioterapia, de melhor qualidade e maiores fatores de impacto.

Para enumerar este ranking de periódicos de interesse para a prática baseada em evidências dos fisioterapeutas, os autores consideraram: o número de estudos clínicos publicados, a média da escala PEDro (escala que avalia a qualidade dos estudos clínicos) de todos os estudos; a média da escala PEDro dos últimos 10 anos (2000-2009), e o fator de impacto do periódico. E o resultados foi:

Conforme número de artigos publicados, periódicos específicos de fisioterapia ficaram em 8º lugar – Physical Therapy, 20º Journal of Physiotherapy e 22º Jounal of Orthopaedic and Sports Physical Therapy. Os principais foram:

  1. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation (365 estudos);
  2. Clinical Rehabilitation (247 estudos);
  3. Spine (200 estudos);
  4. British Medical Journal (190 estudos);
  5. Chest (185 estudos).
Conforme a média da escala PEDro de todos os estudos:

  1. Journal of Physiotherapy (média = 6,4/10);
  2. JAMA (6,1);
  3. Stroke (5,8);
  4. Spine (5,7);
  5. Clinical Rehabilitation (5,6).
Conforme a média da escala PEDro dos últimos 10 anos:

  1. Journal of Physiotherapy (6,9/10);
  2. JAMA (6,9);
  3. Lancet (6,8);
  4. BMJ (6,3);
  5. Pain (6,3).
Conforme o fator de impacto (2008):

  1. JAMA
  2. Lancet
  3. BMJ
  4. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine
  5. Thorax
Perceba que, os jornais com maiores números de estudos clínicos foram diferentes dos que continham estudos de melhor qualidade. A maioria dos melhores artigos foram publicados em periódicos médicos. Destaque pode ser percebido pela periódico da Associação Australiana de Fisioterapia (Journal of Physiotherapy), por conter os estudos de melhor qualidade, além do Clinical Rehabilitation.

Entre suas conclusões, os autores sugerem que, fisioterapeutas que queiram manter-se atualizados lendo as melhores evidências disponíveis sobre os efeitos de intervenções fisioterapêuticas devem abrir seus horizontes para além de periódicos exclusivos de Fisioterapia, e alertam ainda que estudos de alta qualidade não são publicados, necessariamente, em periódicos de alto impacto.

Referência:

1. Costa LOP, Moseley AM, Sherrington C, Maher CG, Herbert RD, Elkins MR. Core journals that publish clinical trials of Physical Therapy interventions. Physical Therapy. 2010 Nov; 90 (11): 1631-40.

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